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Ela ajeitou aquela enorme tela na parede, preparou os pincéis, as tintas, as espátulas e outros materiais. Tirou sua roupa... e nua... absolutamente nua... abraçou o painel.
Pele e lona trocando cheiros, texturas e marcas. De olhos fechados, deslizou delicadamente as mãos por cada milímetro, como se estivesse lendo em braille o silêncio... Roçando os lábios na superfície, percorreu com a boca um mapa invisível... escutou os segredos escondidos em um útero sem cor… e entendeu a angústia de todas as telas do mundo: Por quanto tempo se veriam como nada? Quem lhes impôs essa sina de só terem valor se preenchidas? O que seriam enquanto intocadas? Haveria, no ser, algum sentido que não passasse, obrigatoriamente, pelo outro?
Arrebatada de súbito, acolhendo por osmose toda aquela dor, como se lhe arrancasse as vísceras, sussurrou no ouvido da tela: “Somos um espelho invertido... a sua sede é a minha sede… o seu desejo é o meu desejo… eu só existo no seu vazio… você só existe no meu”.
Dispensou os pincéis, enfiando as mãos nos potes, espalhou tinta por todo seu corpo: curvas, pelos, fissuras, cicatrizes, buracos. No entanto, por mais que esfregasse a tinta, havia lugares de si mesma, que não absorviam as cores. Irritada… verteu um, dois, três… dez… vinte… setenta potes!!!!!!! Até não sobrar nenhuma tinta… E nada… nada aconteceu. O que estava sem cor… sem cor ficou.
Foi só então que, lembrando-se do seu espelho, viu as lágrimas escorridas na lona. A tela emocionara-se… percebeu que os espaços vazios de cor e de tudo daquela artista nua… eram os pontos que, de si própria, transbordavam estrelas.
Adriana Schlabendorff
(do meu livro MULHERES QUE VOAM - em fase de publicação).
ARTWORK: Peter Gartmann (@petergartmann_art)
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